A ideia principal deste estudo consiste em destacar as transformações pelas quais passou a clínica psicanalítica com crianças a partir da orientação lacaniana, que enfatiza o sintoma e sua relação com a dimensão pulsional, em detrimento da adaptação ao social. Considera-se que a perspectiva adaptacionista da clínica com crianças é um desvio promovido por algumas inflexões conceituais, sobretudo a postulação freudiana da pulsão de morte em 1920. Assim, buscou-se demonstrar que o recurso à adaptação priorizado pelas psicanalistas de crianças que se destacavam no movimento psicanalítico – Anna Freud e Melanie Klein – nesta época, conduziu à desconsideração da dimensão pulsional do sintoma. Na prática clínica com crianças, ocorre, assim, segundo estas autoras, um afastamento da clínica do sintoma como produção do inconsciente, visando à minimização daquilo que, na criança, caminha na contramão da educação e do projeto social. A partir da leitura das produções teóricas das duas psicanalistas de crianças pode-se destacar a perspectiva terapêutica que se encaminha para a adaptação ao social. Anna Freud propõe uma clínica essencialmente voltada para um viés pedagógico. Melanie Klein, por sua vez, ancora inicialmente, sua prática, nos fundamentos psicanalíticos freudianos e, depois, formula sua própria teoria. No primeiro momento de seus trabalhos, é possível isolar algumas considerações daquilo que se propõe, neste estudo, como adaptação do sintoma. Não se desconhece que, mais tarde, a dimensão pulsional foi privilegiada por Melanie Klein, porém suas primeiras formulações não deixaram de influenciar aqueles que praticavam o tratamento clínico psicanalítico com crianças até os dias de hoje. Além disso, no segundo momento da contribuição de Melanie Klein, o arcabouço teórico, baseado na teoria de objeto com ênfase em sua completude, parece velar a importância da teoria das pulsões. Por último, este trabalho busca mostrar que a orientação lacaniana, promovida pelos alunos de Jacques Lacan nos anos de 1960, reintroduz efetivamente a articulação do sintoma à pulsão. O aforismo preconizado por Robert e Rosine Lefort, segundo os quais “a criança é um analisante em plenos direitos”, é o que mobilizou uma mudança radical na clínica com crianças em que a adaptação não tem mais lugar. A referência ao sintoma nessa clínica se apresenta como solução para o sujeito, cuja manifestação se impõe como condição da clínica psicanalítica: trata-se de interrogá-lo para se chegar ao particular de cada sujeito. A partir de então, é o sintoma como solução que se transforma em qualquer forma de adaptação.