Os nove capítulos deste volume inserem-se no projeto de investigação Variedade do Português de Angola (VAPA), que tem como objetivo a caracterização linguística do português de Angola. Trata-se de um projeto que é sustentado por uma equipa que envolve principalmente professores e estudantes de graduação e de pós-graduação de diferentes instituições de ensino angolanas, e que se centra sobretudo na identificação de aspetos da norma culta angolana com base em dados orais e escritos, produzidos no contexto da imprensa ou por falantes mais escolarizados, como por exemplo professores, políticos, jornalistas e estudantes, dinamizando, desta forma, a reflexão sobre a língua portuguesa em Angola, a realização de eventos científicos sobre esta variedade e a produção de recursos linguísticos, de que também faz parte a presente obra, com trabalhos originais na área da fonologia, da (morfos)sintaxe e do léxico. O modus operandi do VAPA tem o mérito de promover a transmissão de conhecimento e de experiência(s) entre docentes e discentes e de assegurar a continuidade da investigação no tempo e no espaço, através da renovação da equipa de investigação, em particular dos estudantes participantes, e através da mobilidade dos estudantes que concluíram o seu grau e ingressam no mercado de trabalho, muitas vezes como professores. Ademais, ao envolver no projeto instituições de províncias diferentes, garante-se também uma cobertura geográfica mais ampla dos usos do português, língua que se já difundiu amplamente pelo espaço angolano, com particular incidência nas áreas urbanas. O trabalho desenvolvido no âmbito do VAPA, como este volume, enquadra-se na crescente tendência de caracterizar a variedade angolana, sobretudo face ao português europeu, que continua a ser a norma vigente em Angola. Neste processo, o papel da investigação em linguística constitui um pilar fundamental. As ferramentas e o campo de ação da linguística permitem descrever, circunscrever e compreender a variação observada, que é sempre mais ampla e complexa em variedades com historial recente de L2, contribuindo para o estabelecimento de um corpus necessário para sustentar a nova variedade, isto é, um conjunto de recursos, como dicionários, vocabulários, gramáticas descritivas, bases de dados ou talvez até um atlas dialetal, que, em última instância, irão reforçar a identidade linguística da variedade angolana face a outras variedades do português. Embora as variedades pós-coloniais de línguas europeias sofram normalmente do chamado colonial lag, uma espécie de conservadorismo pós-colonial que as cola à norma (escrita) da antiga metrópole, como se pode observar em relação às variedades do inglês e do português, que seguem maioritariamente a norma britânica e portuguesa, a história também nos ensina que uma variedade pode passar por um processo (gradual) de remodelação e autonomização, o que é ilustrado pelas normas diferenciadas do inglês americano e do português brasileiro. A variedade angolana é um caso deveras interessante, visto que apresenta um conjunto de características que são atípicas no âmbito das variedades pós-coloniais de línguas europeias em África, nomeadamente um elevado e crescente número de falantes da antiga língua colonial e, entre estes, cada vez mais falantes nativos e monolingues. Por isso, juntamente com a previsão de um boom demográfico, é expectável que Angola venha a ser um polo cada vez mais destacado da língua portuguesa e que, assim, contribua para fazer do português uma língua mais genuinamente pluricêntrica e menos 14 bicêntrica. Contudo, subscrevemos ao mesmo tempo a preocupação de que a rápida propagação do português em Angola tem custos do ponto de vista da diversidade linguística. Com uma demografia claramente favorável à afirmação e consolidação do português angolano, resta saber como se irá desenrolar politicamente o destino desta variedade. Os indícios de Ausbau, palavra de origem alemã frequentemente utilizada para referir o processo de elaboração ou expansão que eleva variedades a línguas ou leva à maior autonomia de variedades, são bem visíveis, por exemplo, na utilização de traços do português angolano em obras literárias angolanas, na discussão em torno da escrita dos empréstimos das línguas bantu e do Acordo Ortográfico, na criação da Academia Angolana de Letras e no aumento exponencial da investigação em linguística sobre o português angolano ao longo das últimas décadas. Hoje mais do que nunca, existe uma consciência linguística e uma agenda intelectual e académica. Mesmo que, por agora, estes indícios talvez ainda não sejam suficientes para politicamente promover uma maior autonomia da variedade angolana face à europeia, é caminhando que se faz o caminho. Nesta lógica, é de saudar a publicação da presente obra e de congratular os autores e editores pela partilha do seu trabalho, que, mais do que um contributo, é um investimento na causa que é o português angolano.