A Sociedade atual, fruto do imediatismo em que vivemos, vem descurando, de certo modo, os atos criativos relacionados com os lugares do literário e do não literário, frequentemente a raiar as fronteiras do mesmo, tão importantes na formação de qualquer sujeito. Simultaneamente, nunca se falou tanto em mundos multiculturais, em espaços diferenciados, onde o respeito pelo outro e pela sua cultura deva ser promovido e potenciado. Falamos da literatura para crianças, frequentemente votada a um certo descrédito, como explicaremos neste estudo, por vezes até considerada uma literatura pouco convencional. Ora, é sabido que, em Angola, os contos, passados de boca em boca, tiveram um papel fundamental quer na preservação das línguas nacionais, quer na preservação e continuidade de marcas culturais e identitárias sejam do foro afetivo, linguístico e cultural, com sentido de pertença a uma determinada comunidade, onde os valores de justiça, da igualdade e honestidade estão sempre presentes. De facto, todos aqueles aspetos formam um indiscutível legado que é preciso preservar, pois estes são o suporte de qualquer cultura. A literatura infantil e consequente imersão das crianças no mundo dos livros contribui, indiscutivelmente, não só para o despertar do gosto pela leitura, mas também para estas poderem progredir e virem a tornar-se uns verdadeiros cidadãos. A obra que selecionámos para o estudo—As Aventuras de Ngunga, de Pepetela, foi em nós impulsionada pelo contexto histórico e social que nos revela, a par dos mundos ficcionais que toda a criança ali poderá encontrar, ajudando-a através dos elementos axiológicos como o sentido de liberdade, ou a falta dela, e a alteridade, a encontrar mundos possíveis e, assim, a formar-se enquanto pessoa livre e descomprometida. Estas foram as razões que nos levaram à escolha de um tema tão atual e pertinente, para além do profundo respeito e admiração pela obra de Pepetela. Ainda assim, antes de entrarmos na obra de Pepetela e mais particularmente na obra supracitada, faremos uma digressão pele literatura infantil em Angola, pelo aparecimento e impacto desta junto das populações, sem esquecer todo o contexto histórico responsável pelo surgir dos autores que mais adiante citaremos. Acreditamos que os leitores não nascem, mas fazem-se. Existem obras que pela mensagem que encerram se tornam ícones da cultura de um povo. É essa perspetiva que faz da obra selecionada para o nosso estudo, um ícone, uma espécie de bandeira, fruto de toda a conjuntura histórica, cultural e social em que esta surge.