As “Confissões” de A cabra vadia foram escritas entre janeiro e outubro de 1968. Eram marteladas datilográficas, um ganha-pão para Nelson. Mas é extraordinário o que encerram como filosofia de vida. Nelson investiu com a borduna da ironia contra os mitos e modismos da época. A deificação dos jovens, por exemplo, após a revolução estudantil de Paris. Falava-se no “poder jovem”, na “razão da idade”. O slogan, que Sartre considerava encantador, rezava: “é proibido proibir”... “O jovem”, chacoteava Nelson, “tem todos os defeitos de qualquer um e mais este: a imaturidade.” Demolia os mitos da esquerda ambivalente, que vociferava contra a guerra do Vietnã e fechava os olhos ao estupro da Tcheco-Eslováquia pelas tropas de Brezhnev. Com seu verbo ígneo, Nelson colocou as esquerdas na defensiva, ridicularizando os “padres de passeata” e as “grã-finas amantes espirituais de Guevara”. Sofreu, em troca, atroz patrulhamento ideológico. Percebeu, mais cedo do que muitos, a fundamental parecença entre o nazismo e o stalinismo que, partindo de dogmas diferentes, se aliaram na violência contra o ser humano: “Se eu apoiasse qualquer ato de violência, da direita ou da esquerda, seria um canalha”. “Só os profetas enxergam o óbvio”, costumava repetir Nelson. E certamente foi um profeta. Em 1968, quando o comunismo parecia fadado a enterrar o capitalismo decadente, Nelson proclamava, alto e bom som: “O socialismo está apodrecendo. Isso é hoje um óbvio ululante”. Naquele tempo, parecia um desvario alucinatório. Aprendi com Nelson a acreditar que o Brasil jamais se salvará pelo silogismo.Mas pode bem ser salvo pela anedota.