.Esta coletânea percorre os artigos de Antonio Gramsci sobre o socialismo e a revolução ao longo do dramático e especialíssimo ano de 1917. Durante todo o ano anterior, o jovem jornalista sardo acompanhara o debate aberto na seção piemontesa do seu Partito Socialista Italiano (Partido Socialista Italiano, PSI) a respeito da fundação de um novo jornal socialista em Turim, onde residia. O periódico deveria ser um “foco de entusiasmo”, “a voz do partido que a cada dia alcançará espíritos novos, energias novas”. Dessa discussão participavam muitos de seus companheiros mais próximos, jovens socialistas como Gramsci, em oposição às opiniões mais oficiais de dirigentes do PSI que viam na iniciativa a ameaça da perda de controle do partido sobre sua imprensa. Para o jovem jornalista, rejeitar a criação de um jornal era o mesmo que negar que o partido socialista estivesse diante de uma reviravolta mais ampla na sociedade italiana, produzida pelos efeitos nefastos da guerra europeia[1] . Quando o ano de 1917 se inicia, é possível ver Gramsci como alguém bastante alheio às disputas internas do partido e mais voltado à vida cultural da seção socialista em Turim, onde ministrava conferências. Apesar disso, em sua atuação como jornalista, Gramsci demonstrava interesse crescente pelos debates partidários, especialmente no combate ao economicismo e ao burocratismo que consumiam o PSI e colocavam seus dirigentes em um labirinto sem saída. A criação de um periódico era vista como uma forma de avançar na elaboração de uma “ideia geral” alternativa, de uma disciplina verdadeira capaz de organizar os socialistas. Esse projeto daria seu primeiro passo nas páginas do opúsculo La Città Futura [A cidade futura], publicado em fevereiro de 1917 como jornal de número único com base na orientação do comitê regional piemontês da Federação Juvenil Socialista. La Città Futura foi inteiramente escrito por Gramsci levando em conta as necessidades dos trabalhadores e da juventude de Turim no contexto da guerra e as possibilidades de uma alternativa socialista para tal. Além disso, é possível perceber a preocupação de Gramsci em tratar do ambiente intelectual como fragmentado entre uma cultura acadêmica fortemente positivista, por um lado, e o avanço das teorias da “crise do marxismo” pelos intelectuais antipositivistas, por outro. Em meio a esse dualismo, existiria espaço para uma elaboração socialista criativa? La Città Futura pretendia convidar os jovens a enfrentar esse desafio, a um ato de “independência e liberação” por meio do engajamento no movimento socialista, ao mesmo tempo que não negava a importância de pensar sobre os limites nos quais o socialismo italiano esbarrava. “O futuro é dos jovens. A história é dos jovens” – com essas palavras, Gramsci abriu a publicação projetando um novo ambiente, no qual pudessem se combinar “energia” e “inteligência”, resultando na “mais perfeita e frutífera afirmação” de um movimento socialista renovado. A alternativa à “morte do socialismo” – expressão do filósofo Benedetto Croce – seria reencontrar uma finalidade para a organização socialista. Era preciso converter a situação defensiva na qual se encontrava o socialismo em uma oportunidade de atrair e organizar os jovens para o bom combate. Gramsci acreditava na eficácia da luta cultural coletiva e popular como forma de conquista de uma nova personalidade e cidadania. Seus artigos do início de 1917 enfatizam a vontade como ponto de partida para a descoberta dessa personalidade, bem como a rejeição de qualquer visão “determinista” da ação que reduzisse o movimento socialista a uma atitude de passividade. No processo da busca pela verdade, a existência de modelos abstratos seria útil desde que estes não fossem tomados em termos absolutos. O esquema não poderia substituir o movimento concreto, vivo, do pensamento. A crise do socialismo, que se manifestava na deserção de muitos intelectuais desse projeto coletivo, poderia ser explicada de duas formas: por um lado, como crise mais geral de todos os “ismos” (positivismo, futurismo, nacionalismo etc.), concepções engajadas com as quais os intelectuais mantinham relação de exterioridade; por outro, como crise específica do socialismo, acusado de ser uma “visão livresca da vida” na qual a incrustação positivista teria produzido uma leitura eternamente fatalista dos acontecimentos ou da “avalanche” observada sempre à distância pelo partido. Na opinião de Gramsci, a crise do socialismo italiano era um fenômeno complexo, surgido no contexto de desdobramento de um processo de unificação nacional difícil, no qual os socialistas não haviam conquistado o prestígio político e cultural necessário e sofriam com a debandada intelectual. Com a crise singular, o socialismo italiano revelava sua incapacidade de entender a “avalanche” de acontecimentos que, com a guerra, assumia proporções catastróficas. Entre os dirigentes socialistas, particularmente em Turim mas não apenas, tanto a crise política como a humana eram pensadas de maneira abstrata, por meio de uma lógica determinista afirmada como “científica”. Diante da crise dos intelectuais e da derrota do mito socialista – concluía o autor –, a única saída possível viria da renovação interna do proletariado. A expansão do proletariado e do movimento socialista em vários países durante a guerra era, para Gramsci, um claro sinal do potencial de renovação da vida popular e, também, de intensificação de sua consciência – o que permitiria o surgimento de uma visão diferente das coisas. Essa novidade seria capaz de fazer com que os indivíduos se sentissem “partícipes de algo grandioso que está amadurecendo em cada nação, cada partido, cada seção, cada grupo” [2] . Para ele, a ideia de igualdade – e não a de nacionalidade – possibilitaria aos jovens essa renovação, sendo Turim um laboratório do “surgimento de uma nova geração livre, sem preconceitos, que romperá a tradição” [3] . As “vontades” de Gramsci começavam a entrar em rota de colisão com o socialismo oficial do partido, cujo núcleo substancial se personificava na figura política de Claudio Treves[4] . Para Gramsci, o PSI havia assumido uma posição cômoda diante da vida política do país desde 1914, com a fórmula da neutralidade absoluta em relação à guerra e com o predomínio no partido do absenteísmo político de tipo reformista. No combate a essa posição, Gramsci lançou mão de referências renegadas pela tradição teórica do socialismo italiano e internacional, recorrendo, em especial, ao pensamento antipositivista que se inspirava em Benedetto Croce e colocava a cultura no centro dos impasses políticos. O uso dessas referências recebeu críticas dentro do partido, mesmo entre os jovens: Gramsci foi acusado de “intelectualismo” e de ter elaborado “um jornal para iniciados”, “dificilmente compreendido pelos leitores proletários”. Então começaram a chegar as notícias da Revolução Russa.