Desde o início da década de 1990, várias regiões do mundo, com destaque para o continente africano, têm sido palco do fenómeno das “novas guerras” (Kaldor, 1999), cujas causas e consequências profundas têm-se alastrado, condicionando a paz, a segurança e o desenvolvimento do continente. A região dos Grandes Lagos africanos tem sido um palco particularmente fustigado por este tipo de conflitualidade, especificamente no que tange ao conflito da República Democrática do Congo. A região dos Grandes Lagos é a mais populosa e a mais rica do continente africano sendo que a abundância de recursos minerais torna-a cobiçada aos olhos dos atores internacionais e um espaço de atuação de grupos armados rebeldes que exploram ilicitamente os recursos naturais em benefício próprio ou de elites governamentais locais, exacerbando a escalada de conflitos na região. Face a esta problemática, a Comunidade Internacional tem-se mostrado particularmente ineficaz, em boa parte devido à leitura errónea sobre as causas dos conflitos (Ferreira, 1998; Paris, 2004; Aapengnou, 2012; Paffenholz, 2015) e ao constante privilégio que é atribuído aos interesses da comunidade internacional numa ordem hegemónica liberal em detrimento das especificidades locais (Mac Ginty e Richmond, 2013). Ou seja, em que as dinâmicas de top-down no sistema internacional se sobrepõem às dinâmicas bottom-up no sistema internacional e nacional. Deste modo, numa tentativa de dar expressão ao local, estabeleceu-se a Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos africanos (CIRGL). Embora criada a partir de uma lógica top-down, entende-se que esta conferência pode também representar um mecanismo de resposta bottom-up face aos problemas vividos na região. Neste sentido, esta dissertação pretende responder a seguinte pergunta de partida: De que formas as instituições regionais ad hoc, pela sua natureza estatal e representando uma lógica de liderança e proximidade local, podem ser potencialmente emancipatórias, num contexto de paz liberal enquanto manifestações de dinâmicas bottom-up? Esta dissertação argumenta que a CIRGL nas vestes de instituição regional caracteriza-se como um elemento potencialmente emancipador na medida em que transfere para os atores locais a capacidade de gestão do processo de 12 construção de paz, através de um conjunto de instituições criadas no âmbito da sua esfera de atuação - programas e protocolos- que visam resolver os problemas que dificultam a estabilização e o desenvolvimento da região, sobretudo pela sua natureza regional intragovernamental que fortifica a relação entre os Estados membros, permitindo uma leitura mais abrangente dos problemas na região, ao mesmo tempo que garante uma maior representatividade dos atores locais em projetos de âmbito internacional.