Como indicado em seu título, este livro constitui um estudo de j ' ética pós-moderna, e não da moralidade pós-moderna. i Essa última, se a tentássemos aqui, buscaria um inventário o mais compreensivo possível dos problemas morais, com que os homens e as mulheres, habitantes de um mundo pós-moderno, se confrontam e lutam por resolver - novos problemas desconhecidos de gerações passadas qji não percebidos por elas, assim como novas formas que tomaram agora velhos problemas, situados inteira** mente no passado. Não são poucos os problemas das duas espécies. A "agenda moral" de nossos tempos está cheia de itens em que escritores éticos do passado mal ou sequer tocaram, e por boa razão: em sua época eles não eram articulados como parte da experiência humana. Basta mencionar, ao nível da vida diária, os múltiplos temas morais que surgiram da atual situação das relações entre os casais, da parceria sexual e familiar - notórias por sua subdeterminação institucional, flexibilidade, mutualidade e fragilidade; ou a multidão de "tradições", algumas sobreviventes apesar dos empecilhos, outras ressuscitadas ou inventadas, que lutam por lealdade e pela autoridade de guiar a conduta pessoal — embora sem esperanças de estabelecer hierarquia comumente acordada de valores e de normas que dispensasse seus destinatários da tarefa vexante de fazer suas próprias escolhas. Ou, no outro extremo, o do contexto global da vida contemporânea — podem-se mencionar os riscos de magnitude inau- J C 3 l f- ! 'W i dita e verdadeiramente cataclísmica, que surgem das linhas cruzadas de propósitos parciais ou unilaterais, que não se podem determinar de antemão ou estão fora do campo visual no tempo em que se planejam as ações por causa da maneira como se estruturam essas ações. Esses problemas aparecem muitas vezes neste estudo, mas apenas como pano de fundo contra o qual procede o pensamento ético da idade contemporânea e pós-moderna. Trata-se deles como do contexto experiencial em que se forma a perspectiva especificamente pósmoderna sobre a moralidade. É a forma como são vistos e se lhes atribuem importância quando contemplados da perspectiva ética pósmoderna que é aqui o objeto de investigação. —1> O tema verdadeiro deste estudo é a própria perspectiva pós- / moderna. A afirmação principal do livro é que, nojresultado da idade moderna, que atinge sua fase autocrítica, muitas vezes autodenigrante e de muitos modos autodesmantelante (o processo que se pensa que o conceito de pós-modernidade capta e comunica), muitos caminhos antes seguidos por teorias éticas (mas não pelos interesses morais dos tempos modernos) começaram a parecer mais semelhantes a uma alameda cega; ao mesmo tempo se abriu a possibilidade de uma compreensão radicalmente nova dos fenômenos morais. Qualquer leitor familiarizado com "escritos pós-modernos" e escritos correntes sobre pós-modernidade logo notará que essa interpretação da "revolução" pós-moderna na ética é contenciosa, e não é absolutamente a única possível. O_que_se chegou a associar-se com a noção j).ós-modenia_da-moralidade é muitíssimas vezes a celebração da "morte do «tico", da substituição da ética pela estética, e da "emancipaçaoúltima" que segue. AprópriãTeticãe denegrida e escarnecida"" como uma das constrições tipicamente modernas agora quebradas e destinadas ao cesto de lixo da história; grilhões uma vez considerados necessários, agora estimados claramente supérfluos: outra ilusão que homens e mulheres pós-modernos podem muito bem dispensar. Se se precisar de exemplo dessa interpretação da "revolução ética pós-moderna", não se pode fazer pior do que consultar o estudo recentemente publidado por Gilles Lipovetsky, Lê crépuscule du devoir ("O crepúsculo do deverVGãllimárd, 1992). Lipovetsky, proeminente bardo da "libertação pós-moderna", autor de "A era do vazio" e "Império do efêmero", sugere que entramos finalmente na era de 1'après-devoir, uma época pós-deontológica, em que se libertou _ v e- \ nossa conduta dos últimos vestígios de opressivos "deveres infini- * tos", "mandamentos" e "obrigações" absolutos. Em nossos tempos, >^/ deslegitimou-se a idéia de auto-sacrifício; as pessoas não são esti-L^ muladas ou desejosas de se lançar na busca de ideais morais e cultivar valores morais.