. A Ilíada é o primeiro livro da literatura europeia e, sob certo ponto de vista, nenhum outro livro que se lhe tenha seguido conseguiu superá-la — nem mesmo a Odisseia. Lida hoje, no século XXI d.C., a Ilíada mantém inalterada a sua capacidade esmagadora de comover e perturbar. As civilizações passam, mas a cultura sobrevive? É nesse sentido que parece apontar a mensagem deste extraordinário poema. Ler a Ilíada é reclamarmos o lugar que por herança nos cabe no processo de transmissão da cultura ocidental: cada novo leitor acrescenta mais uma etapa, ele mesmo um novo elo. A origem da cadeia de transmissão situa-se algures na Idade do Bronze, mas à falta de dados coevos só a fantasia especulativa permite, em parte, que a essa origem possamos aceder. Que etapas marcantes podem então ser reconstituídas? Podemos dizer que no século VII a.C., no fim de uma longa tradição épica oral, surge este canto de sangue e lágrimas, em que os próprios deuses são feridos e os cavalos do maior herói choram. Um canto no qual «luz e morte coincidem hora a hora» (Luiza Neto Jorge)