Moçambique como lugar de interrogação: a modernidade em Elísio Macamo e Severino Ngoenha é antes de tudo um livro corajoso. E o é por razões diversas. A primeira delas por ter sido escrito por uma jovem estudante do curso de Ciências Sociais de uma universidade situada na região nordeste do Brasil, a Universidade Federal de Pernambuco, sem tradição em estudos sobre o continente africano. Este primeiro desafio revela outros. Sophia, a autora, não é moçambicana. Ainda assim, tomou para si o desafio de estudar, interrogar e escrever sobre dois autores moçambicanos fundamentais, o sociólogo Elísio Macamo e o filósofo Severino Ngoenha, elegendo em suas obras alguns aspectos que a intrigavam. Interessava, e ainda interessa, a ela compreender Moçambique não como “algo diferente” ainda em vias de ser explicado ou domesticado pela ciência social. Ao contrário, a sua pergunta, como bem sugere o título “Moçambique viii como lugar de interrogação”, refere-se àquilo que as ciências sociais e os cientistas sociais podem aprender (e, em alguns casos, desaprender) quando começam a questionar suas próprias práticas de produção de conhecimento. Nesse sentido, aquilo que poderia parecer uma desvantagem, a pouca experiência aliada ao fato de ser ainda uma “aprendiz de socióloga”, veio revelar-se como a grande força motriz e inovadora desta reflexão. O pensamento de Sophia, e ousaria dizer de uma jovem geração de cientistas sociais que ela representa, está menos cristalizado do que o de seus mestres e mestras. É justamente esta abertura, esta flexibilidade, que possibilitou o surgimento do seu olhar sobre os autores, de suas interrogações sobre a categoria “modernidade” e de suas vivências em Moçambique. Na base deste conjunto de inquietações encontra-se a insatisfação com a ciência que se “aprende” ou se “ensina” nos curricula académicos. É por este conjunto de razões que o livro que o leitor tem em mãos constitui-se como um ato de coragem e também como parte de um processo de autoconstrução intelectual, que só pode existir porque é também colectivo. Nele a autora nunca se sacia. Seus questionamentos se desdobram em novas perguntas, em resistências, em luta interior. O que é mesmo que Moçambique interroga? A modernidade? As ciências sociais? O intelectual? A universidade? Moçambique nos interroga.