DEPOIS QUE O MUNDO ACABOU FOMOS PARA O CÉU. O grande desastre – o Dilúvio – aconteceu há mais de trinta anos. O mar cresceu e engoliu a terra. A temperatura à superfície tornou-se intolerável. Em poucos meses fabricaram-se centenas de enormes dirigíveis. Entre os maiores estão o Xangai, com cinquenta mil habitantes, e o New York, o São Paulo e o Tokio, cada qual com vinte mil. As famílias mais pobres, sem meios para comprar apartamentos nessas cidades flutuantes, construíram balões, a que chamamos balsas, muitos deles rudimentares. Apenas um por cento da humanidade conseguiu ascender aos céus, escapando do inferno, lá em baixo. Uns seis milhões de navegantes. A maioria das balsas resistiu, infelizmente, pouco tempo. Caíram. Afundaramse no mar. Dez anos depois do Dilúvio já só permaneciam entre as nuvens uns dois milhões de pessoas. Os balseiros arquitetaram aldeias suspensas, ligando os balões uns aos outros através de redes de cabos fosforescentes, que brilham à noite, e de intrincadas pontes de cordas. Também se construíram dezenas de grandes navios-cidade. Obter a energia necessária para manter uma temperatura suportável no interior dessas cidades foi sempre um problema. A degradação das condições levou a tumultos. Bandos de marginais tomaram o controlo dos navios, hoje em ruínas, à deriva, embora em alguns deles (segundo se diz) ainda resistam uma meia dúzia de sobreviventes. Chamo-me Carlos Benjamim Tucano, e nasci há dezasseis anos, numa aldeia, Luanda, que junta mais de trezentas balsas. No conjunto, ocupa uma área bastante vasta. Aldeias grandes são lentas e difíceis de manobrar. Uma balsa isolada, embora menos rápida que um dirigível, consegue evitar tempestades, correndo à frente das nuvens.